Ary dos Santos 7 de dezembro 1937 - 18 de janeiro 1984 - 35 anos de Saudade

Oriundo de uma família da alta burguesia, José Carlos Ary dos Santos, conhecido no meio social e literário por Ary dos Santos, nasceu em Lisboa a 7 de Dezembro de 1937.
Aos catorze anos, a sua família publica-lhe alguns poemas, considerados maus pelo poeta. No entanto, Ary dos Santos revelaria verdadeiramente as suas qualidades poéticas em 1954, com dezasseis anos de idade. É nessa altura que vê os seus poemas serem seleccionados para a Antologia do Prémio Almeida Garrett.
É então que Ary dos Santos abandona a casa da família, exercendo as mais variadas actividades para seu sustento económico, que passariam desde a venda de máquinas para pastilhas até à publicidade. Contudo, paralelamente, o poeta não cessa jamais de escrever e em 1963 dar-se -ia a sua estreia efectiva com a publicação do livro de poemas " A Liturgia do Sangue".


Em 1969, ano que o próprio Ary dos Santos considerava ter marcado decisivamente a sua vida, inicia-se na actividade política ao filiar-se no PCP, participando de forma activa nas sessões de poesia do então intitulado "canto livre perseguido".
Entretanto, concorre, sob pseudónimo, ao Festival da Canção da RTP com os poemas "Desfolhada"e "Tourada", obtendo os primeiros prémios. É aliás através deste campo –o da música que o poeta melhor se tornaria conhecido entre o grande público.
Autor de mais de seiscentos poemas para canções, Ary dos Santos fez no meio muitos amigos. Gravou, ele próprio, textos ou poemas de e com muitos outros autores e intérpretes e ainda um duplo álbum contendo O Sermão de Santo António aos Peixes do Padre António Vieira.
À data da sua morte tinha em preparação um livro de poemas intitulado As Palavras das Cantigas, onde era seu propósito reunir os melhores poemas dos últimos quinze anos, e um outro intitulado Estrada da Luz - Rua da Saudade, que pretendia fosse uma autobiografia romanceada.
O poeta deixou-nos a 18 de Janeiro de 1984. Postumamente, o seu nome foi dado a um largo do Bairro de Alfama, descerrando-se uma lápide evocativa na casa da Rua da Saudade, onde viveu praticamente toda a sua vida.

Estrela da Tarde

Era a tarde mais longa de todas as tardes que me acontecia 

Eu esperava por ti, tu não vinhas, tardavas e eu entardecia 
Era tarde, tão tarde, que a boca tardando-lhe o beijo morria. 
Quando à boca da noite surgiste na tarde qual rosa tardia 
Quando nós nos olhámos, tardámos no beijo que a boca pedia 
E na tarde ficámos, unidos, ardendo na luz que morria 
Em nós dois nessa tarde em que tanto tardaste o sol amanhecia 
Era tarde de mais para haver outra noite, para haver outro dia. 


       Meu amor, meu amor 
       Minha estrela da tarde 
       Que o luar te amanheça 
       E o meu corpo te guarde. 
       Meu amor, meu amor 
       Eu não tenho a certeza 
       Se tu és a alegria 
       Ou se és a tristeza. 
       Meu amor, meu amor 
       Eu não tenho a certeza! 

Foi a noite mais bela de todas as noites que me adormeceram 
Dos nocturnos silêncios que à noite de aromas e beijos se encheram 
Foi a noite em que os nossos dois corpos cansados não adormeceram 
E da estrada mais linda da noite uma festa de fogo fizeram. 
Foram noites e noites que numa só noite nos aconteceram 
Era o dia da noite de todas as noites que nos precederam 
Era a noite mais clara daqueles que à noite se deram 
E entre os braços da noite, de tanto se amarem, vivendo morreram. 

       Meu amor, meu amor 
       Minha estrela da tarde 
       Que o luar te amanheça 
       E o meu corpo te guarde. 
       Meu amor, meu amor 
       Eu não tenho a certeza 
       Se tu és a alegria 
       Ou se és a tristeza. 
       Meu amor, meu amor 
       Eu não tenho a certeza! 

Eu não sei, meu amor, se o que digo é ternura, se é riso se é pranto 
É por ti que adormeço e acordado recordo no canto 
Essa tarde em que tarde surgiste dum triste e profundo recanto 
Essa noite em que cedo nasceste despida de mágoa e de espanto 
Meu amor, nunca é tarde nem cedo para quem se quer tanto! 

Ary dos Santos, in 'As Palavras das Cantigas' 




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